Romeu e Julieta em tempos atuais do Brasil

Vivemos tempos chatos, não me refiro ao que se define como “mimimi”. Atualmente se associa esse termo a salvaguarda de minorias, por falar nisso, possuo nada contra a essas demandas do politicamente correto, vejo como avanço, inclusive mudei muito minha forma de enxergar algumas piadas, gosto quando o humor ofende os fortes, já quem passa por situações chatas diariamente não precisa de mais uma.

Partidários das correntes ideológicas tendem a se relacionar mais com quem pensa de forma semelhante, pois quem discorda é considerado logo como inimigo mortal. Desde o período eleitoral de 2018, o critério para avaliar a índole de alguém nada mais se apresenta como verificar se outro concorda com suas opiniões. O país passou a ser dividido não mais pelas regiões geográficas, mas pela corrente a que as pessoas se afiliam no voto: se na esquerda ou na direita. Por divergências políticas houve vários casos de afastamento de familiares e amizades de longa data desfeitas.

Não sei se vocês sabem, mas eu sou um cara que acredita no amor, sim, apoio qualquer forma de amor desde que seja bilateral, em outros termos: consensual. Uma história de amor bem contada pode derreter até o mais gélido coração. Vamos, portanto, mudar de abordagem, passaremos a tratar de um caso de amor fictício, um romance inusitado entre pessoas das duas maiores correntes de pensamento da sociedade.

Como se trata de uma obra da mente vou usar nomes bem piegas, nada mais esperado do que usar os nomes do casal do amor improvável mais famoso da história: Romeu e Julieta, imortalizados na tragédia de Willian Shakespeare, afinal é o título deste texto. Romeu é o homem de esquerda típico: simpático ao feminismo, favorável ao aborto, milita em prol da liberação da maconha, mudou o nome para Guarani Kaiowá uma época, defendia a soltura do Lula; Julieta, mulher da direita, cristã fervorosa, defende os valores tradicionais da família, totalmente “pró-vida”, vibrou com a prisão de Lula.

Romeu e Julieta se conheceram num show gratuito do Nando Reis. Antes do show, Romeu havia se reunido com amigos do Centro Acadêmico de Ciências Sociais numa praça perto do show, como de costume o grupo tinha ingerido doses assustadoras de cachaça; Julieta estava com suas amigas do grupo de WhatsApp chamado “Mulheres apoiadoras do Mito”, começaram a beber cerveja na casa da administradora do grupo, ao atingir certo grau ébrio decidiram seguir para o evento.

Sem maiores delongas, vamos simplesmente dizer que o acaso uniu os dois, melhor, isso poderia alongar demais a narrativa, deixar o texto enfadonho. Como o momento não pedia qualquer conversa sobre política, apenas falaram sobre trivialidades, e, como de praxe, um anotou o número de telefone do outro, já após o evento trocaram “boa noite” e “durma bem”.

No dia seguinte, começaram as farpas, apenas com leves ironias a ambos, o leve desconforto logo foi seguido de mensagens carinhosas. No quinto encontro, já não havia mais como esconder o desconforto causado pelas divergências políticas, firmaram um pacto de respeito mútuo em prol da paixão crescente. Quando a conversa chegava em política um dos dois calmamente mudava o rumo da prosa, assim a paz reinou durante um certo tempo. Até que se aproxima da eleição, momento em que houve vários desentendimentos (aposto que você, leitor, deve ter visto, ou vivenciado, algum momento de briga). Com nossos pombinhos não foi diferente, muita discussão, todavia sempre conseguiam contornar e voltar para as trocas de carícias. Nem mesmo com a eleição do presidente eles deixaram de se falar, minto, Romeu bloqueou o número de Julieta, não aguentava as brincadeiras envolvendo “agora é a vez do Mito”.

Assim os meses passaram, eles souberam respeitar as diferenças, afinal não é por uma pessoa possuir uma ideologia distinta que ela é má, claro que há ideologias más por si, entretanto isso já seria pauta para outro texto. Eles persistem juntos, estão planejando um local para ir nas férias, desde que não seja alvo de debate entre direita e esquerda... tá difícil escolher.