
Antes da internet se tornar um antro de ódio, dancinhas e conteúdo falso; havia espaço para debate, conversa sem ataques pessoais como se vê em qualquer perfil de notícias. Um dos melhores espaços para interagir era o Orkut – rede social que funcionou de 2004 a 2014. Lá havia comunidades bacanas sobre temas diversos, não raro as pessoas que conversam nesses locais virtuais, trocavam mensagens, daí iam conversar de forma mais privada no MSN, o WhatsApp da época.
Jonas era muito participante nas comunidades das quais fazia parte, comentava sobre sua cidade, teorias de conspiração, esportes e sua paixão por quadrinhos, assunto em que ele se debruçava mais, travava debates intermináveis sobre temas que soam bestas, como o Batman derrotar qualquer personagem, se o Superman ganha do Flash em uma corrida, enfim... Numa dessas comunidades ele via postagens recorrentes de uma menina: Marcela, de quem discordava com frequência, não raro se exaltava com a moça. Jonas admirava a estruturação de ideias dela, todavia odiava perder um debate contra ela, por dois fatores: primeiro que sua adversária tinha dezesseis anos, segunda é que ele sentia seu ego de macho atingido, “como pode uma menina dessas saber tanto?”.
Ele deixava recados no painel dela, provocações, que ela respondia com bom humor e eloquência. Jonas ficava furioso, buscou formas inescrupulosas de ofender a jovem, então fuçou o perfil dela em busca de algo para cutucar alguma ferida. O efeito, no entanto, foi diferente, ele passou a admirá-la. Descobriu que ela fazia parte da seleção de natação de sua escola. Soube que ela era morava longe, em Vitória-ES. Jonas não havia percebido quão bela era moça, no Orkut as fotos ficam pequenas nas postagens. A raiva se transformou numa paixonite. Os comentários outrora cheios de raiva, passaram a ter bom humor; para resumir, afinal esse texto se propõe a ser curto, iniciaram papos no MSN, conversavam por horas e horas, até sobre natação, Jonas não gostava de praticar esportes, era medroso para arte marcial, desajeitado para esportes com bola, odiava levantar pesos, contudo se sentia bem na água, foi o único esporte que conseguiu praticar. Pediu muitas dicas para ela, como executar a virada olímpica, técnicas de pernadas, sobretudo para o nado borboleta (convenhamos que é mais difícil).
Por meses falaram, até que:
- Jonas, tenho uma novidade para você.
- Qual? – Logo a ansiedade atacou, aquela pontada súbita na barriga. Imaginou logo vários cenários: estaria namorando? Ela era bonita. Estaria com alguma doença terminal? Poxa, que trágico.
- Irei a sua cidade, competir no campeonato nacional de natação. Legal, né?
- Que massa! – a ansiedade mudou, a conspiração para “será que ela vai gostar de mim?” – Quando será a competição?
- Ah, final de semana que vem! – A taquicardia de Jonas veio acompanhada de uma vontade instantânea de defecar, precedida pelo estalar de uma flatulência.
- Mas já?
- Sim, sim. Você vai me ver?
- Claro! – Conversaram um pouco mais, ele não queria interromper a prosa, por mais que quisesse sentar na porcelana.
Jonas dormiu mal por alguns dias, parecia com olhar perdido. Sua produtividade no estágio, este narrador não comentou antes, mas nosso protagonista cursava publicidade e propaganda, conseguiu uma vaga em uma empresa bem-conceituada, trabalhar na área da graduação é uma sorte.
Logo o final de semana chegou, a competição aconteceu em um clube muito grande, havia vários atletas. Jonas chegou cedo para ver os competidores, assistiu a quase todas. A pontada na barriga era interminável. A prova de sua amiga virtual fora anunciada, ele se dirigiu para o local. Se ela se classificasse ainda teria mais duas provas para o estilo livre, a atleta ainda competiria no revezamento. Marcela era o destaque, sempre presente no pódio nas competições, nesta não foi diferente. Em todas as premiações do evento Jonas estava, escondeu-se para poder contemplar a jovem. Os participantes ficaram isolados do público, contato apenas com colegas de equipe e treinadores. Chegado o momento de entregar a última medalha da exímia nadadora. Nosso tímido viu toda a celebração, antes que os atletas saíssem, Jonas foi embora, furtivo, correu, tomou um ônibus, voltou para casa, não ligou o computador, deitou-se. Acordou no dia seguinte, não acessou o MSN. Apenas de noite teve coragem para ligar. Mal entrou, recebeu uma mensagem:
- Aconteceu algo?
- Parabéns, você nada muito...
- Você me viu?
- Sim...
- Por que não foi falar comigo?
- É que...
- ???
- Olha, fiquei com vergonha, vi você lá, conversando com várias pessoas, meninos, um bocado da sua idade. Aí achei que não seria legal, sei lá.
- Sei lá? Eu te esperei o dia todo. Passei uma hora lá fora, fiquei sozinha, pedi um táxi, fui pro hotel.
- Sei lá, sou tão feio, esquisito, muito velho pra você...
- Eu sei sua idade, pra mim isso é besteira.
- Mas você tem dezesseis...
- Convenci meus pais a me deixarem vir só, queria ter passado a noite com você no quarto.
- ...
- Seu idiota, não fale mais comigo. Imbecil. – o MSN tinha recurso de bloquear usuário, Jonas vi sua adorada ficar off-line.
Muitos anos passaram, até que chegamos ao presente, pelo menos da autoria desse texto, 2023. Jonas se formou, conseguiu se efetivar na firma, dirigia uma equipe, focou-se em mídias sociais, até poderia ajudar esse autor a ter mais seguidores, mas deixa quieto. Como era de sua profissão, nosso publicitário via muitos perfis no Instagram, numa dessas pesquisas, encontrou sua musa da net. Marcela se focara em outro esporte: fisiculturismo, a jovem contava com quase um milhão de seguidores, inclusive no Tik Tok, gravava vídeos para o Youtube com vários influenciadores do segmento, que Jonas conhecia bem, anos antes foi quase que obrigado a praticar musculação por recomendação médica, o ódio de antes, tornou-se um hobby. Marcela era patrocinada por marcas de suplementos, inclusive de uma que Jonas era cliente.
Por meses, Jonas via com assiduidade o perfil da sua amada, tal como no passado em que ele acessava o Fotolog da jovem – que era o Instagram da época, aula de história de rede social para vocês, leitores. Acompanhava a rotina da musa fitness, divertia-se bastante, afinal o bom humor dela havia refinado com os anos, tal como um bom uísque.
Jonas viu uma publicação no Instagram dela que proporcionou a ansiedade estomacal: a mulher viria para a cidade do nosso artista. Uma feira de artigos relativos a musculação. Nosso herói não titubeou, programou-se para ir. Sim, ele passou vários dias sem dormir direito, com idas frequentes ao banheiro.
Chegou o dia. Nosso herói vagou muito pelo espaço, a feira ocupava todo o espaço do Centro de Eventos, havia stands de suplementos diversos (creatina, Whey, barras de proteínas...), equipamentos de musculação, máquinas para academias. Era comum ver personalidades do mundo do fisiculturismo transitarem com trajes de treino. Nada da musa. Jonas já estava exausto de caminhar pelo evento, o cardio dele é natação. Já estava sem esperança, até que ouviu:
- Boa noite, agora teremos um momento de entrevista com a musa Marcela Correia. – Jonas acelerou o passo. Ele caminhava de forma cômica, parecia uma marcha atlética desengonçada. Chegou suado. Escolheu admirar de longe sua antiga paixão. Ela respondia às perguntas com um carisma sem igual. Nosso obstinado apenas olhava e suspirava, tal qual um admirador de uma obra de arte. Ele percebeu que Marcela olhava em direção a ele, que desviou o olhar. Desconfiado, mirou de soslaio, notou que ela mudou a direção da vista. Só que mais uma vez ela o fitou, sorriu, com um brilho de quem acha um item perdido há muito tempo, ele devolveu da mesma forma. Como termina? Sei lá, o texto acabou aqui. Obrigado.
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