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Ao Mestre Dogueiro com carinho

  • Foto do escritor: Pedim Guimarães
    Pedim Guimarães
  • 5 de set.
  • 3 min de leitura


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Muita gente não sabe que tenho um carinho por cachorro-quente. Na época do ensino médio, trocava alguns almoços por essa iguaria. Eu estudava à tarde; na época de provas, eu ia de manhã ao colégio para estudar para as avaliações, facilmente trocando o almoço pelo sanduíche do Mestre Dogueiro. Não faço questão de almoçar arroz, feijão e proteína – aproveito o momento para declarar que arroz, feijão e macarrão juntos é uma combinação que considero horrível; frescura minha.

A composição do saudoso sanduíche era assim: pão, salsicha, molho de tomate caprichado, uma ida e volta de maionese, uma ida e volta de ketchup, uma ida e volta de molho rosê, uma ida (só ida mesmo) de mostarda, três salpicadas de batalha palha e um toque de queijo ralado. A única elaboração do Mestre do Cachorro Quente era cozinhar a salsicha e ajeitar o molho de tomate, apenas isso; o resto dos insumos era comprado. Não sei qual era a magia, acho que o segredo residia nas quantidades exatas de cada ingrediente.

O local era agitado, aquela típica barraquinha de cachorro-quente, desde sua abertura até o encerramento. Clientes chegavam direto, eram de todo tipo: alunos (dos responsáveis aos da bagunça), funcionários da escola, servidores públicos, taxistas, pessoas em conflito com a lei, personagens do bairro. Quem trabalha com um público diversificado precisa saber como se comunicar com todos, e nosso Mestre sabia como conversar com qualquer um.

Quando terminei o ensino médio, fui me despedir dele, desejei-lhe sorte; houve a recíproca, então parti, prometi a mim que retornaria para dizer que eu estava bem, que os votos de sucesso que ele havia profetizado se concretizariam. Assim se passaram anos. Quando passei na faculdade, fui lá, pus o papo em dia, claro, comi um cachorro-quente; quando consegui um estágio, idem; após me formar, tinha que ir, fui. Porém, nesta vez, depois da despedida, pus a condição de voltar apenas com um emprego bom.

Como muitos recém-formados no ensino superior, fiquei anos sem grana, tentei a iniciativa privada, com esperança, entretanto ela definhou até ficar esquálida e sumir. Para ter fonte de renda, decidi estudar para concurso. Por intermédio de um grande amigo, fui nomeado no primeiro cargo, no qual permaneci por cinco anos, contudo eu não o visitei durante essa fase da minha, nunca me identifiquei com a função, queria contar ao Mestre Dogueiro apenas que passei uma temporada lá, só.

Então fui nomeado para outro cargo, pensei comigo: “Já que esperei esses anos todos, um pouco a mais, um pouco a menos, deixarei para encontrar o cara quando cumprirem a promessa de valorização da categoria.” Bom, estou há dezesseis anos; houve muitas conquistas, todavia ainda aquém do os servidores desejam. A esperança ainda permanece, pequenina, na UTI, mas persiste.

Há alguns meses, optei por quebrar o gelo; tinha passado algumas vezes pelo local, não o vira. Disseram que ele se aposentou, pois estabeleceu uma meta de vender os sanduíches até pagar a faculdade da filha caçula. Ele alcançou o objetivo e parou de trabalhar. Fui até o concorrente dele, salvo engano ainda no mesmo local, e perguntei sobre o Mestre Dogueiro.

— Faleceu.

— Quando? Faz tempo? — perguntei com voz rouca.

— Há alguns anos, respondeu, terminando de polvilhar o cachorro-quente que eu pedi com queijo ralado (eu estava lá, tinha que comer um, né?).

— E ele conseguiu pagar os estudos das filhas? — fiquei com dúvida sobre a informação que me foi fornecida.

— Sim, sim. Deu tudo certo: vendeu tanto cachorro quente que conseguiu pagar a faculdade delas. E para beber?

— Fanta de laranja — eu estava ousado naquele dia.

Mastiguei melancolicamente o lanche. O sabor, por incrível que pareça, não sofreu alteração pela notícia fúnebre; óbvio que me entristeci por não ter conversado com o Mestre Dogueiro. No mesmo ponto, fiquei feliz por ele ter concluído o objetivo dele. E, quando for minha hora, espero que o veja por lá, para dizer que meu emprego não é o melhor do mundo, sobretudo no quesito financeiro, mas me proporciona muitas histórias. Afinal, nossa jornada aqui deve ser divertida e narrada – tanto as histórias felizes, para nos fazer sorrir, quanto as que não são felizes, para tirar alguma lição da experiência alheia. Por isso estudamos história; aliás, contamos histórias. Concorda?

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