
Talvez alguns não saibam, mas possuo graduação em Kung Fu, treinei consideráveis anos com o Grão-Mestre Pong Chu Yen. Artes marciais me ensinaram muito, o aprendizado me acompanha praticamente em tudo da minha vida, ouso dizer que saber dar golpes contundentes, acrobacias, as formas - chamamos de “Tao Lu” ou “Kati” -, técnicas de imobilização, etc.. é pouco perante o eterno combate contra si mesmo. Bom, sempre pensei “quando vier um filho (a) vou matricular em alguma arte marcial”.
Eis que vem o filho, O Menino chega aos seis anos, propomos, ele aceitou. Fez algumas aulas como teste, hesitamos em comprar o kimono, apesar das constantes cobranças dele. Achamos um local com preço bacana, ao se deparar com o uniforme, percebi um brilho no olhar da criança, como se ali estivesse um traje de super-herói, um manto sagrado, mal terminamos de receber uma peça que a vendedora da loja de artigos esportivos trouxe, ele mandou essa:
- Quero vestir, papai! – Ficou tão fofo! Todo mundo na loja falou “Oooooow ヽ(♡‿♡)ノ, meu deus que lindo”. Quando ele veste a indumentária fica sério, quando dizem que ele está fofo:
- Fofo não! Karatê! – Ele devolve bem sério, mas OOOOOOOW (°◡°♡)
Assim seguiram os meses de treino, ele fala que deseja participar do exame, de cara fiquei nervoso, barriga começou a doer. Já passei por isso várias vezes, a gente treina bastante, ainda assim há insegurança, só de pensar em ser avaliado começa a pontada no bucho. Tentamos negociar para que ele adiasse a avaliação para o final do ano:
- Num quero! — foi categórico.
- Então você terá que treinar bastante.
- Tá certo. — Assim foi feito. Ele aprendeu bem quase toda o Katá, contudo o final estava com umas imperfeições num giro, é, tive que aprender toda a movimentação para poder ensinar o cidadão. Lembrei da didática do professor, ele usa como referência a orelha para direcionar os movimentos ensinados, além de ver o sensei comentar, notei que o Nosso Lutador repete as instruções durante o treino – OOOOOOOOOOWWW (´♡‿♡`). Aproximei-me dele com cautela, muita delicadeza que busquei:
- Cara, olha, essa virada tu tira da orelha assim – executei o movimento.
- Ah, assim? – ele executa, entretanto no sentido contrário, ele deveria ir anti-horário e...
- Não, assim – rodo e explico, o guio para que seu pequeno corpo possa compreender a mecânica da técnica – entendeu?
- Sim, Papai. Vou treinar mais três vezes – especifica o número de repetições com seus dedinhos rígidos.
- Tudo bem, você já treinou bastante, está muito bom – deu certo. E tome prática para aperfeiçoar.
Chega o dia do exame – ai ai, meu coração – preparamo-nos para a hora marcada dias antes, ensaiamos a saída, explicamos várias vezes como seria o dia do exame, porque precisamos deixar bem claro para ele, se não isso o desorganiza, e aí... deixarem em reticências mesmo, porque quem sabe como é sorriu, talvez de nervoso, e quem não sabe, um dia quem sabe você saberá. Perto de sairmos, chega o comunicado da remarcação de 13h00 para 17h00, tome dor na barriga – P*****, quando a gente espera parece que o tempo fica mais lento, rodando em velocidade 0,25x – Jesus tende piedade de nós – Esperamos e fomos. Eu e ela nervosos, o dia todo andando de um lado para outro na casa, ansiedade comendo de esmola, algumas, digo, não poucas, idas ao porcelanato para escorrer as tensões em fezes, algumas vezes meramente expelir o material gasoso intestinal, ah, comi pouco no dia, aliás, ela não andava com muito apetite mesmo, e o Menino? Tranquilo, de boa mesmo, parecia que estava indo lanchar, um dia comum para Esse Gente Boa.
Havia vários alunos para o exame, logo vimos que ele era o menor - Oooooooow ༼♥ل͜♥༽ . A espera de minutos parecia uma eternidade, nessas horas lembro novamente que o tempo – bem como o espaço – são relativos, ainda bem que no dia comi pouco, pois decerto teria que procurar um sanitário para os devidos fins. Os Faixa Preta chamaram os graduandos para formar fila e se organizar. Se vocês nunca viram um evento desses, começa-se pela menor faixa e pelos mais novos, portanto ele foi o primeiro. Quando escutamos o nome dele, pronto, o incômodo estomacal acentuou. E lá foi ele, Nosso Pequeno Artista se levantou, seguiu com toda a imponência que ele assume ao vestir o traje marcial, dirigiu-se ao local em que iria demonstrar o seu aprendizado perante uma mesa examinadora composta por Faixa Preta, acho que eram cinco, friso adultos. Ele segue junto com uma colega de treino dele, posicionaram-se diante a banca avaliadora, e, com toda segurança, os menores do evento executaram o primeiro Katá perante aqueles professores desconhecidos, exceto por um, o Sensei deles, na hora eu cortei umas cebolas, a vista ficou um pouco turva, contudo consegui ver bem direitinho, senti muito orgulho da bravura dele. Executou belissimamente. Os juízes preencheram suas anotações e disseram para os dois sentarem. Os demais alunos também fizeram de acordo com sua faixa e idade.
A etapa seguinte foi uma arguição, dessa vez foi sozinho, dirigiu-se até a mesa, seu olhar estava calmo, porém firme, como se estivesse indo confiante a uma batalha dura. O Pequeno ficou diante os avaliadores em posição marcial, sem qualquer desconforto de ser menos graduado do que seu júri. Sim, não baixou a cabeça. Respondeu às perguntas, ao término pediram que ele se sentasse junto aos pais, em segundos ele deixa a posição marcial e assume o Nosso Doce Cara, corre como uma criança que é para perto de nós. O Baixinho pediu o celular, ficou vendo vídeos, não parecia que estava durante um exame de faixa, já nós, os pais... andei tanto de um lado para o outro que bati minha meta de passos que o smartphone acusa – andei para car***!
Muitos alunos passaram pela avaliação oral, esperar faz o tempo congelar – já falei sobre a relatividade do tempo e espaço? – estávamos nervosos – a angústia da barriga se une com uma aliada inusitada: a fome - até que começaram a anunciar as notas. O Menino foi o primeiro a executar o Katá, todavia não falaram o nome dele de cara. Claro que já quis chorar, aliás, estava com cebolas na mão, estava triste por ele, tão confiante, receber uma notícia assim poderia o frustrar a ponto de abandonar a arte marcial, quem sabe até abandonar a confiança em si, resgatar após muitos anos, a custo de muito esforço e ajuda de si e dos outros. Anunciaram o nome do Nosso Herdeiro. Ufa... Olha...
- Quem são os pais do Davi? – Perguntou o presidente da mesa. Levantamos a mão simultaneamente e numa velocidade superior a da luz. — Vocês terão que treinar com ele bastante para a próxima faixa, ele tem que superar a nota dele agora, a nota foi 8,3. Aproveitei para descascar a cebola logo que estava na minha mão. Como prêmio fomos comer onde ele escolheu: Mc Donald’s, não recebi por essa divulgação, mas aceito qualquer contribuição para este humilde rapaz latino americano sem dinheiro no banco. Ah, tem um detalhe, talvez você estivesse esperando a cerimônia da faixa, pois é, só que ele não saiu de lá com a aguardada faixa, a dita cerimônia ficou marcada para terça vindoura, o exame ocorrera em um domingo. Desculpa ter falado só agora, desculpa qualquer coisa (frase proferida quando não se sabe ao certo o que fez de besteira ou mero drama).
Na terça percebemos a agitação do Recém Graduado. Falou muito nisso num ritmo acelerado, não apenas na voz, mas também no balançar de suas mãozinhas de cima para baixo em um movimento contínuo. A cerimônia da faixa seria após o treino dele. Alguns colegas do Nosso Desdobramento Celular estavam aptos ao exame não puderam participar do evento de domingo, não sei o motivo, tampouco fará diferença para esta narrativa. Vi a surpresa dos companheiros de treino ao saberem que o Picoto Da Turma – OOOOOOWWW (♡´౪`♡) – havia sido aprovado para faixa amarela, percebi a admiração, assim o Destemido Guerreiro se tornou um exemplo de superação para os maiores, afinal, o Toquinho De Gente sairia da última posição da formação – lembra de que eu falei sobre a organização no exame, isso ocorre nos treinos, tanto no início como no término, uma hierarquia sagrada, diferente dos moldes militares que você pode ter pensado, deixemos isso de lado.
E da nota? Soubemos que ele errou apenas uma pergunta: o nome do professor.
Confere aí as imagens hehe, o vídeo do Kata você pode assistir aqui.







Davi , parabenizo pela sua atitude séria e comprometido com karatê. Vovó te ama e abençoa!👏👏👏👏
Parabéns cara!!!!!! Titia tá super orgulhosa de você!!!! Amo vcs 😘