Manhã Chuvosa
- Pedim Guimarães
- 17 de set. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 4 de mar. de 2022

Gotas de chuva deslizam pelo telhado, cada uma delas parece martelar o tímpano desse semi-insone que se contorce de um lado para outro tentando se afundar em sonhos mais uma vez. Neles podemos ser tudo o quisermos ou o que odiamos, estar no Céu ou no Inferno. A experiência até que estava sendo agradável, apesar de não haver muitas lembranças. Abrir os olhos pode ser frustrante em determinadas ocasiões, enquanto que em outras é tudo o que se deseja.
Depois de alguns minutos e tentativas em vão de adormecer, ele decide se erguer. Onde estão os malditos chinelos? Sempre é difícil procurar algo quando ainda não se está totalmente acordado, os sentidos parecem estar menos atentos. Toda manhã era uma batalha para encontrar seus calçados. Ele sempre tentava deixá-los no mesmo canto. A desorganização era natural dele e o sono em excesso contribui para atrapalhar. Estavam perto do móvel, era um dos locais comuns. Ele sempre buscava nos cantos mais improváveis antes de olhar nos rotineiros.
Agora - com os pés protegidos - era mais fácil caminhar até o banheiro, uma distância mínima que pode ser atravessada em segundos, com os músculos frios parece ser mais árdua a tarefa de caminhar. A vontade não colabora, o desejo é de permanecer na cama, ainda mais com a brisa gélida que infesta o quarto. Tirar o cobertor de cima do corpo frio é insuportável para quem não está desperto e com o corpo aquecido, isso pode ser considerado como a chegada de uma nova era glacial.
O primeiro passo é o mais demorado a ser dado, há hesitação em dá-lo. A necessidade de ir ao banheiro é maior, a preguiça vai sendo vencida com o decorrer da caminhada. Ele olha seu reflexo no espelho, será que esses olhos inchados vão demorar para desaparecer? A torneira é aberta, suas mãos ficam em formato de concha, com suavidade seu rosto sente o toque molhado, a indisposição vai deixando seu corpo, não totalmente ainda.
Às vezes ele sentia falta de ter alguém para abraçar e desejar-lhe bom dia, outras agradecia por viver só, era um indeciso por natureza, assim como desorganizado nato. E sua assepsia matinal estava completa. Era hora de dar prosseguimento a suas atividades.
Ainda com o andar embriagado, ele segue seu trajeto para a cozinha. Outra hora em que sentia falta de companhia, dessa vez a saudade era de sua mãe, se fosse há alguns anos, seu desjejum já estaria pronto, tudo feito do que jeito de que ele mais gostava, nada melhor que comida feita com amor maternal. Ele sentia falta desses tempos, só agora que ele percebe o quanto era feliz e não sabia. Nunca havia agradecido a sua mãe por tanta devoção à família. Agora apenas havia a saudade acompanhada daquele aperto no peito e do olhar embaçado.
A cozinha é o local mais arrumado da casa, parecia até um local à parte, tudo era etiquetado, disposto em locais lógicos, o que se quisesse era facilmente achado, diferente dos chinelos, que sempre o irritavam pela manhã.
É preciso comprar mais café, há muito pouco, apenas para uma caneca, aliás, daria para hoje com certeza, para amanhã, não. Um ofício sem o devido reconhecimento: fazer café, diz-se por aí que para fazer apenas basta esquentar água e acrescentar o pó preto, o modo de preparo parece ser simples na embalagem. Preparar tal bebida é algo que merece cuidado.
Cada gole da caneca era lento, acompanhado de pensamentos variados, engraçado como a mente humana pode divagar! Começara se programando para o dia que virá, passando pelo aumento da gasolina, pela piada contada ontem por um colega de trabalho, depois chegam os pensamentos sórdidos, que logo são afastados com o último gole da caneca.
Mais uma vez se arrepende de morar só, lavar louça não é uma tarefa muito querida pelos homens, se bem que essa situação pode ser revertida com uma máquina de lavar louças, seria a solução para isso, talvez uma dessas não seja tão cara. Melhor deixar para outra ocasião, o dinheiro possui seu destino para esse mês.
E da cozinha segue para seu desorganizado quarto, arrumar é uma boa ideia, depois quem sabe, há assuntos mais urgentes. O tempo não o ajuda, quando era mais novo o dia parecia tão longo. Podia fazer o que quisesse e ainda sobravam horas de ócio improdutivo puro. Agora parece que encurtou, mas esse sentimento dele não é exclusivo, muitos compartilham dessa ideia.
O chuveiro despeja a água que retira as impurezas acumuladas e parece limpar sua alma também, o banho podia durar horas. Maldito tempo, se não fosse pela falta dele, horas poderiam ser gastas embaixo da água, entretanto contava apenas com poucos minutos. Tinha que ser rápido, não podia se atrasar pela segunda vez no mês. De repente, um ódio de toda aquela rotina veio. Que vida mais sem graça temos, o dinheiro que era para nos ajudar a viver acaba sendo nossa meta principal. Quão mesquinho se tornou o homem.
A torneira do chuveiro é fechada pela mão molhada, a outra pega a toalha para enxugar o corpo, não podia perder mais tempo, um minuto pode trazer um atraso maior do que se imagina. Os pensamentos teriam que esperar por outro momento de ócio.
A roupa estava separada, cheirava a lavanda, o dinheiro pago à lavanderia valeu a pena. Que trabalho fantástico faziam! Valia a pena cada centavo que pagava. Vestiu-a.
Pronto para o trabalho, era hora de partir, deixar o aconchego do lar, enfrentar mais um confronto diário pela sobrevivência. Partir era sempre deprimente. E ele sai, bate a porta, a chave fecha seu mundo de fantasias. E ele apenas pensa na cama que o espera.
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