“Tears in Heaven”: Como Eric Clapton transformou a dor da perda em arte
- Pedim Guimarães
- 25 de mar. de 2022
- 8 min de leitura
Atualizado: 14 de abr. de 2023

“Tears in Heaven”: Como Eric Clapton transformou a dor da perda em arte
Creio que foi a primeira música que ouvi do Eric Clapton. Não recordo em que ano, na época não sabia bem inglês. Acho que foi minha querida Tia Beth, minha iniciadora no mundo do Rock, que me disse: “essa música ele fez para o filho dele que faleceu” (beijão, Tia Beth, obrigado por me iniciar nesse mundo!). Fiquei um pouco atordoado com a informação, não havia internet para pesquisar sobre o assunto... apenas guardei.
Comecei a estudar inglês. Uma das músicas que busquei analisar foi essa. Se você ler esse artigo no blog, vou colar a letra com tradução lá. Em 1990 Clapton perdeu seu empresário, dois funcionários (um roadie e um guarda-costas) e o guitarrista Stevie Ray Vaughan num acidente de helicóptero após um show em East Troy, Wisconsin, nos Estados Unido. Diz-se que o guitarrista deveria estar no helicóptero e cedeu seu lugar, boatos sem confirmação. Sete meses depois, em 1991, o filho de Eric, Conor, caiu de um prédio, faleceu.

Conor era fruto do relacionamento de Eric Clapton com a modelo italiana Lory Del Santo. A moça e o músico começaram a ser ver quando ele ainda era casado com Pattie Boyd, por quem Clapton se apaixonou quando ela era casada com seu amigo, George Harrison, guitarrista dos Beatles. Ah, Pattie foi a inspiração para a música “Layla”, escrita com Jim Gordon, e lançada com a banda Derek And The Dominos em 1970, Eric Clapton retratou toda a sua dor por não poder se relacionar com a amada, na época casada com George Harrison. Ah, o nome do álbum que contém esse hit é “Layla and Other Assorted Love Songs” – Layla e Outras Canções de Amor Sortidas. Para constar, o guitarrista-cantor dedicou outra música para Pattie: “Wonderful Tonight“, presente no disco Snowland (1977)


E eis que Lory engravidou – Clapton continuava oficialmente casado com Pattie – e, em 1989, três anos após o nascimento de Conor, o casal Eric e “Layla” se separou. Antes da fatídica manhã de 20 de março de 1991, Lory e Conor foram a Nova York para visitar o músico, ausente na vida do garoto, para terem um momento de pai e filho. Segundo Lory, no dia anterior ao acidente, os três foram ao circo de Long Island, que, de acordo com a mulher, foi um dos melhores dias da vida do pequeno Conor, ele e o pai estabeleceram um grande laço.

Eric havia combinado de se encontrar com Lory e Conor para levá-los ao zoológico de Nova York. “Conor brincava com a babá enquanto eu me preparava para ir ao zoo. Eram 11h da manhã. Gritei do banheiro para que Conor se apressasse, e ele me disse que estaria pronto em um minuto”, recorda Lory. O zelador do edifício estava limpando as janelas do apartamento. Lory pediu à babá que não perdesse de vista o menino, ele brincava de esconde-esconde, corria pelo apartamento. A babá, que brincava com o menino, parou de repente quando o zelador lhe advertiu que havia aberto a janela. Conor, sem saber que o empregado tinha retirado o vidro, correu em direção à janela. “Escutei um grito de aflição que não era de Conor. Era da babá. Corri ao quarto gritando de forma histérica. ‘Onde está Conor? Onde está Conor?’ Vi então a janela aberta e entendi o que tinha acontecido. Senti que perdia as forças e desmaiei”, afirma Lory. Ela admite que quis matar o zelador. A mãe de Conor o acusa de falta de responsabilidade por ter retirado o vidro da janela num apartamento onde uma criança brincava. “O zelador jamais nos pediu desculpa, e eu deixei de viver a partir daquele momento. Quando Conor caiu, o zelador chamou a ambulância, mas obviamente não havia nenhuma esperança. Eric foi vê-lo no IML, mas eu não pude”, afirma. “Guardei todas as fotos dele. É muito doloroso. Não posso nem sequer ter uma foto dele em casa para recordá-lo porque isso parte meu coração. Mas, mesmo sem ver fotografias, tenho sua cara gravada em minha cabeça”, disse ela em 1999, na única entrevista em que se atreveu a falar do seu drama com profundidade.

Uma semana após a morte de Conor, Lory descobriu que estava grávida do segundo filho. O pai era o empresário italiano Silvio Sardi. O menino, Devin, nasceu dois dias em que Conor faria cinco anos. Em 1999, oito anos após a tragédia, nasceu Loren, o terceiro filho de Lory. A italiana, que nunca revelou o pai de Loren, teve que enfrentar de novo a perda de um filho em agosto de 2018. Loren se suicidou. Lory explicou à imprensa italiana que a anedonia impedia seu filho de ter prazer e qualquer sentimento em geral. “Ele tinha 19 anos. Nasceu prematuro aos 6 meses, com graves complicações. Os médicos me disseram que cada dia de vida seria um presente. Por isso, sempre estive feliz e vivi cada dia com Loren como se fosse o último”, ela declarou à revista italiana Chi. Pessoas que possuem anedonia têm dificuldade de perceber o bom das coisas. “Há uma deficiência de dopamina e serotonina no cérebro, o que pode ocasionar depressão grave”, explica a psicóloga clínica María Hurtado, do centro AGS Psicólogos Madrid.
Conor Clapton, de apenas quatro anos, caiu da janela do 53o andar. “Às 11h57, Lory me ligou gritando e disse: ‘Está morto’. Não entendi o que dizia. Então ela disse: ‘Caiu da janela’”, declara Eric Clapton no documentário Eric Clapton: A Life in 12 Bars (2017). “Senti como se saísse de mim mesmo, não podia entender, não podia assumir. Fui com ele ao hospital mais próximo e me despedi dele. Perdi a fé”, diz Clapton. “Conor foi a primeira coisa que aconteceu na minha vida que realmente tocou meu coração e me fez pensar: ‘É hora de amadurecer’”, recorda o músico no documentário, que enfoca a complicada vida do artista britânico, viciado em álcool e drogas e uma situação familiar complexa – quem ele acreditava ser sua mãe, na verdade, era sua avó, aquela que ele achava ser sua irmã era sua mãe. Essa carga pesada desencadeou em períodos turbulentos de autodestruição que fragilizaram muitas suas relações pessoais.
Voltando para a música. Eric Clapton compôs “Tears in Heaven” nove meses depois da morte Conor. Compor a canção o ajudou a lidar com o sofrimento e superar o que ocorreu. Em uma entrevista com Daphne Barak, Clapton declarou "Eu quase que inconscientemente usei a música para mim mesmo como um agente de cura, e eis que, funcionou... Eu tenho muita felicidade e uma grande quantidade de cura pela música". Clapton estava separado da mãe de Conor, Lory del Santo, semanas antes da tragédia. O filho deles pediu para escrever para o pai, o músico recebeu a carta após o funeral do menino, “[Conor] me disse alguns dias antes: ‘Mamãe, quero escrever para o papai. O que devo escrever?’, Lembrou Del Santo. ‘Escreva “eu amo você, papai’. E ele escreveu isso” relembrou Lory. “Estávamos eu e meus pensamentos. Lembro que comecei a abrir as cartas de condolências, que eram milhares, e no meio delas havia uma de Conor. Ele a tinha enviado semanas antes, quando estava em Milão com a mãe. Dizia: ‘Te amo, quero te ver de novo. Um beijo’. Nesse momento, vi que eu podia passar por aquilo sem beber, poderia fazer qualquer coisa. Fui consciente de que podia fazer dessa tragédia algo positivo e dediquei minha vida a honrar meu filho. Peguei uma guitarra e a toquei sem parar durante meses para tentar enfrentar a situação. A música me salvou, levou a dor. Escrevi ‘Tears in Heaven’ para mim porque me sentia terrivelmente mal”, reconhece Clapton no documentário Eric Clapton: A Life in 12 Bars (2017).

A canção foi composta em 1991 em coautoria com Will Jennings, o que escreveu "My Heart Will Go On". Em uma entrevista Will Jennings disse: “Eric e eu fomos contratados para escrever uma canção para um filme chamado Rush. Nós escrevemos uma música chamada 'Help Me Up' para o final do filme... Eric então viu um outro lugar no filme para incluir mais uma canção e ele me disse: 'Eu quero escrever uma canção sobre o meu menino.' Eric tinha a primeira estrofe da canção escrita, que, para mim, é toda a música, mas ele queria que eu escrevesse o resto das linhas do verso ("'Time can bring you down, time can bend your knees...'), e ser creditado no lançamento mesmo dizendo a ele que era tão pessoal que ele mesmo devia escrever tudo sozinho. Ele me disse que tinha admirado o trabalho que eu tinha feito com Steve Winwood e, finalmente, não havia mais nada a fazer, mas como ele pediu, apesar da sensibilidade do assunto. Esta é uma canção tão pessoal e tão triste que é única em minha experiência de escrever canções.”
“Tears in Heaven” foi lançada para o filme “Rush – Uma Viagem ao Inferno” do mesmo ano. Em 1992, a música foi tocada no acústico do artista, série maravilhosa “MTV Unplugged” – tem cada álbum massa, bicho. Ah, aqui no Brasil a música foi trilha da novela “Perigosas Peruas”, tema dos personagens Téio e Téia, interpretados respectivamente por Rômulo Arantes e Bianca Byington. "Tears in Heaven" ganhou três Grammys. Aqui você pode conferir a primeira exibição da música na TV.

Em 2004 Clapton deixou de tocá-la ao vivo, assim como a canção "My Father's Eyes", que você deve ter ouvido na TV União (jovem de cara e coração). Essa foi escrita para o pai do músico, Edward Fryer, eles nunca se conheceram, Fryer faleceu em 1985, a canção fala como o filho gostaria de ter conhecido o pai, também faz referência a Conor Clapton, "Na canção, eu tentei descrever o paralelo entre olhar nos olhos de meu filho e nos olhos de um pai que nunca conheci, através de nossos laços de sangue", afirma Clapton em sua autobiografia. Sobre não tocar mais essas músicas Clapton declarou: "Eu não sentia mais a sensação de perda, que é uma parte integrante dessas composições. Eu preciso me conectar com os sentimentos que havia quando compus essas canções. Acho que esses sentimentos se foram, e eu não quero que eles voltem novamente. Minha vida mudou desde então. Canções assim só precisam de uma pausa e talvez eu volte a apresentá-las de uma maneira nova".
Ah, se você ficou interessado pela relação entre os guitarristas que disputaram o coração de “Layla”, Eric Clapton e George Harrison foram amigos até a morte do ex-Beatle. Após Boyd se casar com Clapton, Harrison continuou a amizade com eles, convidou-os para sua mansão em Oxfordshire, Reino Unido. Lá, o Harrison sugeriu que lutassem por ela, mas de uma maneira bem conhecida por eles: um duelo de guitarras. "George pegou duas guitarras e dois amplificadores e os colocou no corredor. Quando Eric apareceu com Pattie, George o convidou para tocar. Foi uma competição extraordinária porque George claramente deu a ele a guitarra inferior e o amplificador inferior,” contou John Hurt, amigo de Harrison que estava presente no dia, de acordo com o Express Uk. Harrison e Clapton improvisaram nas guitarras durante duas horas e, no final, a vitória foi de Eric Clapton. “Ele se concentrou em tocar algumas notas significativas em contraste com a ginástica instrumental de Harrison,” explicou John. Mesmo com o “duelo” a amizade dos dois continuou por muito tempo, até a morte de Harrison em novembro de 2001.

E termino o texto com essa cutruviagem no mundo do rock e com uma história: quase Eric Clapton participou dos Beatles, Lennon o queria no lugar de George Harrison, mas isso fica para você ler aqui.

Arte anterior do artigo hehe
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