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Varinha Mágica

Foto do escritor: Pedim GuimarãesPedim Guimarães

Marcos Nazareno estava quase saindo do seu consultório, sua auxiliar abriu a sala sem avisar, ela tinha esse costume.

- Doutor Marcos, apenas uma pessoa, não há mais pacientes para hoje.

- Obrigado, Larissa. – e virou-se para pegar seu celular, que estava na gaveta de sua cômoda. Ao completar a volta e solicitar a entrada da próxima pessoa percebeu que já havia uma sentada na cadeira do paciente.

- Em que posso lhe ajudar?

- Não, vim como paciente.

- Ufa, ainda bem, não sabia como reagir. Nunca atendi um homem trans.

- Como?

- Sou ginecologista, atendo mulheres, bom, digamos assim, pelo lado biológico, atendo seres com vagina; pois há pessoas trans. Homem trans é quem nasceu com vagina, portanto o que se convencionou chamar de mulher, enquanto o inverso, mulher trans corresponde a quem nasceu com pênis, porém se identifica como mulher.

- Como? Papo de comunista, né?

- Esquece, como posso ajudar o senhor? – agora o médico sabia qual pronome usar para destinar a palavra ao mamífero de um metro e oitenta e oito centímetros, corpulento e barbudo que sentara sem pedir licença.

- Desculpe, doutor, me chamo Saulo. Vim aqui para lhe processar, cassar seu registro médico.

- Não entendi, pode me explicar?

- O senhor, Doutor Marcos Nazareno, avaliado pelo Doctoralia como melhor ginecologista de Fortaleza. A propósito, que cidadezinha paia, como vocês chamam. Tô aqui há uns nove anos para um concurso que fiz, passei, larguei minha cidade. Vim ser independente aqui e...

- Desculpa lhe interromper, mas ainda não entendi.

- O senhor disse que três mulheres que pisaram neste consultório não eram férteis.

- Disse? São muitas pacientes, muitos anos... e daí?

- Elas ficaram grávidas, todas de mim. Isso não foi simultâneo, uma depois a outra, em anos distintos.

- E o senhor não usou nenhum método contraceptivo?

- Sim, ué, não sou doido. Usei aquele “tiro na hora de gozar”

- Ah, o senhor quer dizer coito interrompido.

- Essa putaria aí.

- Senhor Paulo...

- Saulo!

- Ah, desculpa, senhor Saulo

- Dessa vez passa. Eu não tendo nada a ver com Paulo.

- Quê?

- Saulo. Nada de Paulo.

- Tem certeza do que tá falando?

- Toda. Então vim aqui para dizer que vou quebrar seu cu com uma pedra!

- Rapaz, que agressividade é essa? Você tava indo tão bem...

- Desculpa. To nervoso. Foda. Vim para porra dessa cidade só para fazer menino.

- Veio de onde?

- Curitiba

- Porra, senhor veio se fuder longe de casa né?

- Num é? Vim só tomar no rabo.

- Senhor Paulo...

- Saulo

- Desculpa, final de expediente, daqui ainda vou pra um plantão. Saulo. Há uma hipótese. O senhor parece ser bem inteligente e culto. Deve ter estudado bastante quando mais novo e deve praticar o hábito de ler.

- Sim, gosto de ler sobre espiritualidade, estou lendo Kardec...

- Senhor Paulo. Talvez o senhor seja a fonte de tudo. Eu não sei o que lhe falar, apenas que vamos coletar seus exames de sangue, urina e esperma.

- Agora?

- Não, vou lhe dar uma guia para coleta no laboratório.

Passaram dois dias. Saulo voltou com os exames para o consultório de Nazareno. Sim, saíram rápido, Saulo tinha uma amiga em um laboratório, namoraram umas semanas.

- Tá aqui, doutor – disse Saulo após os cumprimentos de boa tarde, e em resposta à pergunta “e os exames?”

- Nunca vi algo assim.

- O quê?

- Não sei explicar, não consigo nem entender direito.

- Como assim?

-Amanhã tenho grupo de estudos na faculdade onde leciono. Levarei seu caso.

Passado o encontro dos pesquisadores. Médico e paciente voltam a se ver. Após os cumprimentos de praxe. Doutor Marcos Nazareno deu a notícia:

- Paulo... digo, Saulo... seguinte, aparentemente tudo o que seu pênis expele possui propriedades de cura.

- Senhor tá de putaria comigo!

- Juro, fizemos alguns testes. Seu esperma conseguiu fecundar animais de todas as espécies de embrião que tínhamos para estudo.

- E daí?

- Eram mortos.

- Ah tá, Walking Dead.

- Como?

- Nada. Volta a falar, por favor, doutor.

- Seu sangue não teve eficácia no geral, mas sua urina.

- O que tem?

- Caiu uma gota no chão e lá nasceu uma rosa.

- E quão perigoso seria?

- Bom, o chão é de granito.

- Vixi.

- Isso. Então eu e os demais pesquisadores ficamos pensando que seria o poder do seu pênis. Que pode ser algo que a ciência ainda não descobriu. Talvez um instrumento dotado de propriedades para diversos males. A esperança de dias melhores pode estar dentro de suas calças.

- Doutor... eu...

- Não diga nada, eu tenho um problema, na gengiva, dos dois lados, em nome da ciência, o senhor botará seu pênis dentro da minha boca após eu pegar uma gota de sua urina e esfregar na área da lesão.

Seguiu-se uma conversa muito estranha, até que Saulo concordou e atendeu a demanda do médico. Voltou ao consultório. Baixou as calças até os pés.

- Doutor, espero que isso seja rápido e o menos constrangedor possível, estou com o senhor pela ciência.

- Eu também. – fechava os olhos com o pênis flácido de Saulo na mão para levar ao destino da pesquisa. Neste exato momento Larissa entra, ela nunca batia na porta, não seria a primeira que faria isso.

- Larissa, se eu falar que é pela ciência, você acredita?

- Não. – Virou-se e saiu. E ela não ligava se era pela ciência ou não. Ela queria que cada um cuidasse de sua vida, portanto tanto fazia se era por uma causa nobre ou por um fetiche de saciar algum fetiche no consultório. Marcos nunca perguntou sobre episódio a Larissa, passou apenas a tratar mais formal do que antes. E o Saulo? A ciência não conseguiu explicar, então se tornou um caso de fé. Ele conheceu a doutrina budista, apaixonou pela corrente tibetana, mudou-se para lá. Adorado por muitos, peregrinos viajavam de todos os lugares do mundo para beijar o pênis de Saulo e poder colher as bênçãos cósmicas. Ah, desculpa, agora é Sua Santidade Saulo Lama.


 
 
 

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